domingo, outubro 08, 2006

(Mauro, O Poeta da Ilha)

Arrastava mais um pé do que outro e eu reparei no seu ar luminoso abrir airosamente a noite. Ia a passar perto do meu lugar e eu senti que podíamos trocar alguns trocos de luz. Convidei-o a sentar-se ali, por baixo da grande árvore nocturna. Vi o seu olhar a inclinar-se para o meu copo e perguntei-lhe o que bebia. Não tardou a abrirem-se as nossas portas, uma de cada vez, e cada um no seu lugar mais íntimo.
Era um poeta e eu disse-lhe que também era um aprendiz de poeta.( Ele lembrou-se deste pormenor passado uns dias, quando à sombra de outra árvore mais diurna, voltámos a trocar meia-dúzia de luzes pessoais.)
Ele arrastava a perna quando andava, mas falava sem arrastar nenhuma das suas asas. Aí, ele crescia em voos cheios de altura e distância e ás vezes, descia um pouco, para me recitar um poema seu, que parecia ler no meu rosto. Eram sempre feitos de simplicidade e lonjura e eu ficava mais pequeno a escutá-lo, a olhá-lo com todo o orgulho do mundo, pois já éramos amigos.
Hoje, vejo-o levantar a noite da sua ilha, livre como sempre, feliz e a beber alegremente toda a escuridão que há na sua vida de poeta.



(São Luís.Maranhão.Brasil.2006.)
Gaia – 27.28-08-06

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